A evolução do Fiagro e seus aspectos legais

O setor agroindustrial é essencial para a economia do país, respondendo por 25% do PIB brasileiro. O crescimento rápido do agronegócio tem saturado as alternativas de financiamento bancário, assim como o crédito subsidiado. Tendo em vista esse cenário, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.130 (Lei do Fiagro), que instituiu o fundo de investimento nas cadeias produtivas agroindustriais, conhecido como Fiagro.

O Fiagro é uma alternativa privada oferecida pelo mercado de capitais às linhas de crédito rural subsidiadas, podendo reduzir a dependência dessas. Sua importância como ferramenta de captação de recursos via mercado de capitais se torna ainda maior após alterações recentes às regras de emissão de títulos típicos do agronegócio, como Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e certificados recebíveis do agronegócio (CRA), que limitaram em certa medida as opções de captação. Por exemplo, estendendo prazos mínimos de vencimento de LCAs e impedindo o uso dos recursos captados com as letras para a contratação de crédito rural subsidiado.

Como o nome indica, o Fiagro destina-se à aplicação em ativos da cadeia produtiva agroindustrial, como imóveis rurais, títulos de crédito rurais ou participação em empresas do setor. Para estimular a constituição destes veículos e o investimento neles, a Lei do Fiagro conferiu regime tributário favorecido ao fundo e seus cotistas, como a isenção de imposto de renda de rendimentos distribuídos a certos investidores.

Ainda em 2021, na esteira da lei, a CVM emitiu norma estabelecendo a regulação temporária e experimental do Fiagro. Esta norma dividiu os Fiagros em três modalidades, em função dos ativos investidos: Fiagro Direitos Creditórios, Fiagro Imobiliário e Fiagro Participações. Então, aplicou a cada uma delas as regras dos fundos dedicados àquelas categorias de ativos: FIDCs, FIIs e FIPs, respectivamente.

O modelo transitório teve sucesso, permitindo o desenvolvimento de uma indústria de Fiagro que cresceu dez vezes mais do que a média do mercado entre dezembro de 2022 e dezembro de 2023, segundo o Boletim CVM Agronegócio de abril de 2024.

Além disso, o modelo experimental permitiu à CVM identificar possíveis melhorias, que são agora levadas à consulta pública. Nela, a CVM apresenta minuta de normativo específico para o Fiagro, em substituição ao regime transitório.

Fiagro multimercado e o regime de aplicação subsidiária

A Lei do Fiagro permite que esses fundos apliquem em ativos variados. A composição de sua carteira poderia emular um fundo imobiliário, financeiro, em participações, em direitos creditórios, dentre outros. Mais ainda, um mesmo Fiagro poderia aplicar em ativos típicos das carteiras de todos esses fundos, sem compromisso de exposição a um fator de risco específico: um Fiagro multimercado.

Sabendo disso, a CVM propôs mecânica regulatória baseada em duas alternativas. Caso a classe de cotas do Fiagro não possua concentração de risco em um fator específico, atenderá apenas às regras próprias do Fiagro. Caso a política de investimentos do fundo autorize a exposição igual ou superior a 1/3 do patrimônio líquido da classe em ativos que constituem objeto de investimento de outra(s) categoria(s), deverá observar subsidiariamente as regras daquela(s) categoria(s) de fundos.

Esse mecanismo de aplicação subsidiária é uma tentativa de evitar arbitragem regulatória, tratando de modo semelhante todos os veículos que expuserem o patrimônio a algum fator de risco determinado. Assim, um Fiagro cuja carteira fosse composta apenas de direitos creditórios, por exemplo, não poderia ser regulado de maneira diferente de um FIDC. Evitar arbitragem regulatória é assunto relevante para um regulador. Porém, cabem críticas à abordagem adotada pela CVM neste caso.

Inicialmente, lembre-se que o estabelecimento de regime distinto para o Fiagro foi opção do Congresso Nacional, não da CVM. Logo, não há que se falar em arbitragem regulatória se os ativos investidos forem integrantes da cadeia agroindustrial, nos termos da lei. O Fiagro foi instituído por norma legal, a qual foi aprovada com a intenção de privilegiar o investimento nesta cadeia.

Natural, portanto, que as regras desses fundos sejam distintas daquelas de outros que apliquem em mesmas categorias de ativos. Natural até que sejam mais benéficas, dada a opção legislativa por privilegiar essa aplicação. Assim, o que diferencia o Fiagro de outros fundos como FII, FIDC e FIP é a intenção do legislador federal de apoiar o setor agroindustrial – e essa escolha não é passível de questionamento em âmbito regulatório.

Além disso, o regime de aplicação subsidiária poderia gerar incertezas aos prestadores de serviços do Fiagro, desestimulando o uso desses importantes veículos. Ou seja, a minuta submetida, se aprovada, geraria questionamento sobre qual regra aplicar em determinadas situações. Como exemplo, suponha-se que a política de um dado Fiagro permite a aplicação de 100% do seu patrimônio em ativos que também são passíveis de aquisição por outras categorias de fundos, como FIIs, FIDCs ou FIPs. Haveria aplicação subsidiária e simultânea de todos os anexos normativos que regem cada uma dessas categorias de fundos. Essa sujeição a uma pluralidade de normas torna complexa e custosa a administração do Fiagro.

A sobreposição de normas poderia decorrer, por exemplo, da previsão na política de investimentos do Fiagro da aquisição de debêntures. Debêntures são ativos que podem compor a carteira de FIDCs, FIIs ou FIPs, por exemplo. Excedido o limite de 1/3 do patrimônio, a classe de cotas do Fiagro deverá seguir subsidiariamente as regras do FIDC, do FII, do FIP ou de todos eles? No último caso, como proceder em caso de conflito entre as normas?

A título de comparação, os FIIs podem investir em diversos tipos de ativos do setor imobiliário, como capital de empresas e direitos creditórios. Nem por isso, aplicam-se subsidiariamente a eles os anexos normativos de outros tipos de fundos, como FIPs e FIDCs.

Parece mais apropriada a previsão de todas as normas do Fiagro em um único anexo normativo, afastando as complexidades intrínsecas ao regime de aplicação subsidiária. Essa sugestão é compatível com a mecânica escolhida pela norma geral de fundos, a Resolução 175/22, que prevê um regulamento geral para todos os tipos de fundos e regras específicas para cada categoria, dispostas em anexos normativos que não se comunicam.

É claro que a CVM poderá indicar requisitos específicos a depender do ativo a ser investido, mas faria isso no próprio anexo dedicado ao Fiagro. Esses requisitos podem variar inclusive dentro de uma mesma categoria de ativos, como direitos creditórios.

Por exemplo, os limites para aplicação em recebíveis securitizados deveriam ser diferentes daqueles de direitos creditórios que não gozem das proteções inerentes ao processo de securitização. Essa distinção não seria novidade para a CVM, que, no anexo normativo de FIIs, afastou os limites de aplicação por modalidade de ativos financeiros para certos ativos securitizados, como Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs).

Enfim, desde sua criação, o Fiagro tem se mostrado uma alternativa importante de financiamento da cadeia agroindustrial. A substituição de seu regime regulatório transitório por regra específica pode fortalecer ainda mais o uso desse instrumento privado de captação. Para isso, alguns ajustes à minuta de norma colocada em consulta pública pela CVM são recomendáveis, sendo o principal deles o afastamento do mecanismo de aplicação subsidiária de regras de outras categorias de fundos ao Fiagro.

Texto escrito em co-autoria com Ricardo Fernandes Paixão – Coordenador-geral do Centro de Regulação e Inovação Aplicada (CRIA) da CVM

Texto publicado originalmente no JOTA

Autores L&S

Fabio Kupfermann Rodarte

Fabio Kupfermann Rodarte

Advogado

Outras edições

Política restritiva sobre rankings

Não participamos de ou damos informações a publicações classificadoras de escritórios de advocacia (rankings) com uso de informações confidenciais de clientes. Também não pagamos por espaço editorial ou publicitário. Isso pode levar a omissão ou distorção de informações relativas a nossas atividades em tais publicações. Assim, a visita a nosso site é a maneira mais adequada de conhecer nossas atividades.
developed by asteria.com.br designed by pregodesign.com.br
^