A alienação de controle de companhia aberta recebe tratamento especial na legislação societária, sendo também objeto de regulamentação pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e por órgãos responsáveis por autorregulação. Um aspecto complexo dessa regulamentação que tem merecido atenção da CVM é a incidência da oferta pública fixada no artigo 254-A da Lei das S.A. nos casos de alienação de participação acionária dentro de um bloco de controle.
A alienação de controle acionário de companhias abertas no direito brasileiro está disciplinada pelos artigos 254-A1 a 256 da Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, (Lei das S.A.) e pela Instrução CVM nº 361/2002 (ICVM 361). No âmbito da autorregulação, o Regulamento do Novo Mercado da BM&FBovespa estabelece as regras para alienação de controle e para aquisição de controle por meio de outras operações2. Em grande parte, o debate situa-se no conflito entre o texto do caput do artigo 254-A, que menciona que a alienação do controle da companhia somente poderá ser contratada considerando-se a realização de oferta pública, e o seu § 1º, ao prever que será considerada alienação de controle a venda de valores mobiliários que venham a resultar na alienação do controle. A questão então seria se um detentor de valores mobiliários da companhia que não detém o controle individualmente poderia aliená-lo de forma a obrigar o adquirente a realizar a oferta pública nos termos do artigo 254-A da Lei das S.A. caso o resultado dessa alienação seja a identificação de um novo controlador.
A CVM teve oportunidade de examinar alguns casos que apresentaram esse debate. Em 2006, no caso Pão de Açúcar3, o colegiado da CVM entendeu que haveria obrigatoriedade de oferta pública em razão da opção de compra de uma ação outorgada a um dos integrantes do bloco de controle, que garantia a possibilidade deste tornar-se majoritário dentro do bloco de controle.
Em 2007, no caso Copesul4, o colegiado da CVM considerou haver mera consolidação ou reforço do poder controle, visto que o integrante do bloco de controle que alienou sua participação ao outro integrante não poderia ser considerado isoladamente controlador (possuía menos de 50% do capital social votante da companhia), não obstante o resultado da alienação tenha sido o surgimento de um único controlador.
Em 2012, a Superintendência de Registro de Valores Mobiliários da CVM analisou o caso Usiminas5, opinando pela não incidência de oferta pública, uma vez que o alienante das ações não detinha participação majoritária dentro do bloco de controle nos termos do acordo de acionistas e o adquirente das ações também não ultrapassou a participação detida pelo acionista com maior número de ações com direito a voto dentro do bloco de controle. O caso foi levado ao Poder Judiciário, estando pendente decisão final sobre o assunto.
Conforme pode ser observado, não há consistência nas decisões recentes da CVM (e seus órgãos internos) e não é possível identificar com precisão seu entendimento a respeito do tema; ora foca no resultado da operação, isto é, na eventual ocorrência de mudança de posição dominante dentro do bloco de controle (casos Pão de Açúcar e Usiminas), ora aplica a regra de que não pode ser alienado o controle por quem não o possui, independentemente do resultado da operação (caso Copesul).
Nesse contexto, e na ausência de critérios seguros e objetivos que indiquem situações em que há obrigatoriedade de realização de oferta pública, torna-se necessário o exame caso a caso e minucioso de cada operação.
1 Art. 254-A. A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta pública de aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle.
§ 1o Entende-se como alienação de controle a transferência, de forma direta ou indireta, de ações integrantes do bloco de controle, de ações vinculadas a acordos de acionistas e de valores mobiliários conversíveis em ações com direito a voto, cessão de direitos de subscrição de ações e de outros títulos ou direitos relativos a valores mobiliários conversíveis em ações que venham a resultar na alienação de controle acionário da sociedade.
2 Existem outros regramentos no âmbito da autorregulação que determinam regras sobre a alienação de controle, mas o Regulamento do Novo Mercado é mais relevante em virtude de trazer alterações com relação ao regime legal da Lei das S.A.
3 Processo CVM RJ 2005/4069.
4 Processo CVM RJ 2007/7230.
5 Processo CVM RJ 2011/13760.