ICMS, comércio eletrônico e Protocolo 21: mudanças à vista?
Em 1º de abril de 2011, alguns Estados1 e o Distrito Federal, reunidos no Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), firmaram o Protocolo ICMS nº 21 para instituir a cobrança de percentual deste imposto2 a favor da unidade federada de destino em operações interestaduais em que consumidor final adquire mercadoria ou bem de forma não presencial (por meio de internet, telemarketing ou showroom).
O protocolo era inconstitucional, pois a Constituição Federal assegura ao Estado de origem a integralidade do ICMS incidente sobre as operações interestaduais destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto3. Nada poderia ser cobrado pelo Estado de destino.
O assunto foi levado ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 4.628 e 4.713, assim como do Recurso Extraordinário (RE) 680089, com repercussão geral.
Em fevereiro de 2014, na ADI 4.628, o Ministro Luiz Fux concedeu liminar para suspender os efeitos do protocolo.
Em setembro último, o plenário do STF declarou, de forma unânime, a sua inconstitucionalidade. Os efeitos da decisão foram modulados de forma a valer a partir da data de concessão da medida liminar relatada pelo ministro Fux (ressalvadas as ações já ajuizadas). Ou seja, somente valores indevidamente recolhidos a partir de fevereiro de 2014 podem ser reclamados. Uma enorme decepção, pois cobranças desavergonhadamente inconstitucionais ficarão protegidas pelo manto da modulação4.
Aparentemente, no entanto, há mudanças à vista.
A Câmara dos Deputados aprovou em novembro de 2014, em primeiro turno, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 197, de 2012. Chamada de "PEC do comércio eletrônico", o texto prevê a alteração gradual da atual repartição de receitas, de forma que, ao final de cinco anos, o ICMS será integralmente atribuído ao Estado de destino (e nada mais ao Estado de origem)5. O texto deve ainda passar por nova votação em segundo turno na Câmara para posterior envio ao Senado, onde será também votado em dois turnos.
É difícil antecipar se e quando a PEC será aprovada pelo Congresso. Este é mais um capítulo da "guerra fiscal", que será negociado junto com outros tantos assuntos envolvidos na discussão, tal como a redução da alíquota interestadual, a criação de fundos de compensação e até a atualização da dívida dos Estados, dentre outros.
Para os contribuintes, o mais importante é a segurança jurídica. Que neste e em outros capítulos da "guerra fiscal" seja garantida a justa repartição do ICMS entre as unidades da federação sem que sejam eles, contribuintes, cobrados duas vezes por um mesmo tributo, de forma totalmente contrária ao texto constitucional. Como diz o velho provérbio africano, when elephants fight the grass gets hurt.
1 Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia e Sergipe.
2 Equivalente à diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e (i) 7% para as mercadorias ou bens oriundos das Regiões Sul e Sudeste, exceto do Estado do Espírito Santo ou (ii) 12% para as mercadorias ou bens procedentes das Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e do Estado do Espírito Santo.
3 Art. 155, §2º, VII.
4 A decepção parece não ser somente nossa. No julgamento, o Ministro Marco Aurélio registrou sua opinião: "Continuo convencido de que apenas se avançará culturalmente quando emprestar-se concretude maior à Carta da República. Toda vez que o Tribunal modula certa decisão, estimula procedimentos à margem dessa mesma Carta da República. (...) Por isso, entendo que o caso mostra-se emblemático quanto à impossibilidade de chegar-se à modulação. E, perdoem-me a expressão carioca, houve uma cara de pau incrível, no que se estabeleceu esse protocolo, colocando-se, em segundo plano, o documento básico da República, a Constituição Federal, que precisa ser mais amado, principalmente pelas unidades da Federação. Que se aguarde a reforma tributária, porque proceder-se a essa reforma mediante simples protocolo é passo demasiadamente largo."
5 O texto dispõe que o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e destino, na seguinte proporção: (i) para o ano de 2015: 20% para o Estado de destino e 80% para o Estado de origem; (ii) para o ano de 2016, 40% para o Estado de destino e 60% para o Estado de origem; (iii) para o ano de 2017, 60% para o Estado de destino e 40% para o Estado de origem; (iv) para o ano de 2018, 80% para o Estado de destino e 20% para o Estado de origem; e (v) a partir de 2019, 100% para o Estado de destino.