I. Alterações legislativas e normativas

I.1 Reabertura do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária

Por meio da Lei nº 13.428, de 30 de março de 2017, que altera a Lei nº 13.254, de 13 de janeiro de 2016, foi reaberto o prazo para adesão ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), que permite a declaração voluntária de recursos, bens ou direitos de origem lícita mantidos no exterior e não devidamente declarados às autoridades fiscais e cambiais brasileiras.

Nesta fase, deverá ser declarada a situação dos bens e direitos mantidos no exterior em 30 de junho de 2016, assim como ativos existentes em períodos anteriores a essa data, cujos valores serão convertidos em moeda nacional pela cotação do dólar americano, para venda, fixada pelo Banco Central naquela mesma data (US$1,00 = R$ 3,2098). Continuará sendo cobrada alíquota de 15% de imposto de renda sobre os valores declarados. A multa incidente sobre o valor do imposto passa de 100% para 135%, resultando na alíquota total de 35,25%.

Outra importante novidade trazida pela nova lei diz respeito à existência de declaração incorreta quanto ao valor dos ativos indicados na RERCT: enquanto a legislação anterior considerava a declaração com informações incorretas como “declaração falsa”, ensejando a exclusão do contribuinte do programa, a nova legislação determina que eventuais diferenças apuradas pela Receita Federal do Brasil (RFB) deverão ser lançadas em auto de infração, podendo resultar, respeitado o devido processo administrativo, na tributação dos valores adicionais pela alíquota de 27,5% e imposição de multa equivalente a 150%. Regra que vale inclusive para a fase inicial da anistia, encerrada em outubro de 2016, além da fase presente.

Contribuintes que aderiram ao RERCT até 31 de outubro de 2016 poderão complementar suas declarações, obrigando-se a pagar o imposto e a multa devidos sobre o valor adicional declarado, a serem calculadas de acordo com as taxas de câmbio válidas para as novas adesões.

Em qualquer caso, a data limite para adesão ao RERCT é 31 de julho de 2017.

I.2 Modificações na sistemática da desoneração

A Medida Provisória nº 774, publicada em 30 de março de 2017, revogou a possibilidade de empresas de diversos segmentos econômicos optarem por recolher a Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB) em substituição à Contribuição Previdenciária Patronal (CPP) incidente sobre a folha de salários.

A partir de 1º de julho, somente poderão optar pelo recolhimento da CPRB as empresas que se dediquem ao transporte de passageiros rodoviário coletivo, metroferroviário e ferroviário, bem como às atividades jornalística, de radiodifusão (sonora e de sons e imagens) e de construção civil, inclusive de obras de infraestrutura. Deixam de poder optar pelo recolhimento, entre outras, empresas que se dedicam à Tecnologia da Informação (TI) e aos setores hoteleiro, de transporte aéreo e marítimo (de cargas e passageiros).

A MP nº 774/17 ainda revogou o parágrafo 21 do artigo 8º da Lei nº 10.865, de 30 de abril 2004, que previa que a alíquota aplicável à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social incidente sobre a importação (Cofins-Importação) de determinados produtos seria acrescida de 1%, porcentagem que deixará de ser exigida para as importações a partir de 1º de julho de 2017. A revogação é importante, já que as empresas sujeitas ao recolhimento da Cofins de acordo com a sistemática não cumulativa não podiam reconhecer créditos sobre o referido adicional.

II. Decisões Administrativas

II.1 Dedução do ágio da CSLL deve ocorrer juntamente com a do IRPJ

Publicado no último dia 14 de março, o Acórdão nº 9101-002.549, da 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), considerou que as despesas de amortização de ágio devem ser adicionadas à base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Discutida no processo não era a possibilidade de o ágio da aquisição de participações societárias ser amortizado da base de cálculo da CSLL, mas sim o momento em que deveria ocorrer: (i) se juntamente com a amortização contábil do ágio, que na época da autuação se iniciava1 no momento da aquisição da participação societária (amortização imediata), tal qual defendia o contribuinte autuado; ou (ii) como preconiza a RFB, se dependeria da ocorrência de um evento de reorganização societária (fusão, cisão, incorporação), tal qual exigido pela legislação do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ).

De acordo com a tese defendida pelo contribuinte, diferentemente do que ocorre com o IRPJ, não há nada na legislação relativa à CSLL que determine a adição do ágio amortizado contabilmente à base de cálculo da contribuição. Assim, a amortização do ágio da base de cálculo da contribuição social seria imediata.

Prevaleceu, contudo, o entendimento fiscal, segundo o qual o artigo 13 da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, vedaria a dedução.

Curioso notar que a própria CSRF, órgão responsável pela uniformização da jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), havia decidido processo semelhante em sentido oposto há pouco menos de um ano. No Acórdão nº 9101-002.310, publicado em 8 de junho de 2016, a mesma 1ª Turma havia acolhido a tese dos contribuintes e afastado autuação que havia adicionado o ágio amortizado à base de cálculo da CSLL. Este julgamento não havia abordado as disposições da Lei n° 9.249/95.

Essa abrupta alteração é resultado das recentes modificações na composição do Carf e CSRF.

A discussão acerca da não aplicabilidade das regras relativas ao IRPJ à CSLL somente é válida ao ágio gerado antes de 1º de janeiro de 2015, quando entrou em vigência a Lei nº 12.973, de 13 de maio de 2014. A lei, em seu artigo 50, estendeu à CSLL as disposições relativas ao ágio (goodwill) aplicáveis ao IRPJ, que exigem o evento de reorganização societária para amortização fiscal.

II.2 CSRF permite tributação de lucro de controladas no exterior

Em ruidoso julgamento2 de 14 de março, a 1ª Turma da CSRF, por voto de qualidade, acatou Recurso Especial (REsp) da Fazenda Nacional para decidir que o lucro auferido por controladas indiretas no exterior está sujeito à tributação no Brasil, ainda que o país sede da sociedade estrangeira seja signatário com o Brasil de Convenção destinada a evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em relação aos impostos sobre a renda (Tratado).

A discussão refere-se às regras de tributação de lucros no exterior vigentes até 31 de dezembro de 2014, previstas pela Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, a qual previa que “lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior serão considerados disponibilizados para a controladora ou coligada no Brasil na data do balanço no qual tiverem sido apurados”, independentemente de terem sido disponibilizados à empresa brasileira.

No caso, o contribuinte brasileiro foi autuado por não ter submetido à tributação lucros de sua controlada direta (sediada na Espanha), bem como das empresas controladas por esta (controladas indiretas), sediadas no Uruguai e Argentina. O contribuinte defendia que a existência de Tratado firmado entre Brasil e Espanha impediria a tributação.

A tese havia sido parcialmente acolhida pelo Carf em julgamento de 17 de dezembro de 2008. Na ocasião, decidiu-se que os lucros auferidos pela controlada direta (espanhola) não poderiam ser submetidos à tributação no Brasil, sob pena de ofensa ao Tratado Brasil-Espanha. O Carf, contudo, havia decidido que os lucros auferidos pelas coligadas indiretas (uruguaia e argentina) deveriam ser reconhecidos e tributados no Brasil.

Após quase dez anos, a CSRF entendeu que a existência de Tratado com a Espanha não poderia afastar a tributação, pela empresa brasileira, dos lucros auferidos por suas controladas, diretas ou indiretas. Prevaleceu o entendimento de que a base tributável não é o lucro da empresa estrangeira, mas sim a participação da controladora brasileira nos lucros auferidos no exterior.

O entendimento contraria, ao menos em parte, precedente da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) quando do julgamento do REsp 1.325.709, que havia afastado a tributação no caso de existência de Tratado (à época, não foi analisado se o Tratado afastaria também a tributação dos lucros auferidos por controladas indiretas). O tema ainda deve ser analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A tese foi decidida pelo chamado “voto de qualidade”, no qual, diante de empate, o Presidente da Turma (que sempre é um representante da Fazenda) determina o resultado do julgamento. Conforme relatamos no Boletim Tributário de Agosto de 2016, o Poder Judiciário tem anulado algumas decisões tomadas por “voto de qualidade”, sob o fundamento de que, em caso de dúvida, a lei tributária deveria ser interpretada de forma a beneficiar os contribuintes.

III. Decisões do Poder Judiciário

III.1 ICMS é excluído da base de cálculo do PIS/Cofins

Em sessão do dia 15 de março de 2017, o Plenário do STF decidiu3, em repercussão geral, pela inconstitucionalidade da inclusão do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na base de cálculo da contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e da Cofins, confirmando, assim, precedente de outubro de 2014.

De acordo com o entendimento majoritário dos Ministros, embora componha o valor da venda de mercadorias e determinados serviços, o valor do ICMS não pode ser considerado “faturamento” ou “receita” da pessoa jurídica, já que não se incorpora ao patrimônio do contribuinte.

Ficou pendente a análise quanto à modulação dos efeitos da decisão: durante o julgamento, a Fazenda pleiteou, oralmente, que os efeitos do julgamento somente fossem aplicáveis a partir de janeiro de 2018. O STF entendeu que o pedido deveria ser formulado por meio de recurso denominado Embargos de Declaração, cujo prazo para apresentação sequer teve início.

Mesmo não sendo possível antecipar se o STF irá atender ao pedido de modulação dos efeitos formulado pela Fazenda e, se sim, quais serão as exceções a esta modulação, recomenda-se que contribuintes que ainda não tenham ingressado com medida judicial discutindo a tese o façam, já que o STF poderá, por exemplo, modular os efeitos de forma a permitir que somente aqueles que entraram com ação antes do julgamento do pedido de modulação obtenham a restituição.

O entendimento do Supremo poderá impactar outras teses semelhantes, como a exclusão do ICMS da base de cálculo da CPRB ou, mesmo, a exclusão do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) da base de cálculo da contribuição do PIS, da Cofins e da CPRB.

III.2 Créditos no regime monofásico

Em outro julgamento bastante importante4, a 1ª Turma do STJ alterou o seu entendimento para permitir que contribuintes aproveitem créditos de PIS e Cofins na aquisição de produtos sujeitos ao regime monofásico que já sofreram a incidência das referidas contribuições quando da produção ou importação originais.

Nesse regime, as pessoas jurídicas fabricantes e/ou importadoras de determinados produtos estabelecidos por lei (tais como cosméticos e medicamentos – hipótese do caso julgado pela 1ª Turma do STJ) apuram e recolhem a contribuição ao PIS e à Cofins incidente na venda destes produtos por uma alíquota definida pela legislação, superior às alíquotas aplicáveis no regime não-cumulativo. Em contrapartida, as receitas decorrentes de operações posteriores com estes mesmos produtos são desoneradas, concentrando toda a tributação no primeiro agente da cadeia produtiva.

Antes deste julgamento, tanto a 1ª como a 2ª Turmas do STJ já haviam se manifestado favoravelmente à tese fazendária, pela impossibilidade do creditamento. Por isso, é possível que o tema seja levado à 1ª Seção do STJ, órgão que reúne os ministros da 1ª e 2ª Turmas, a fim de que o Tribunal uniformize a jurisprudência quanto ao tema.

III.3 Extensão do conceito “folha de salários”

Em julgamento de 30 de março, os ministros do STF decidiram, por unanimidade e em repercussão geral, que a CPP deve incidir sobre todos os ganhos habituais dos empregados. Com base neste entendimento, foi negado provimento ao RE nº 565.160, de contribuinte que buscava restringir a incidência da contribuição somente a valores pagos como remuneração do trabalho, habituais, e que repercutam nos benefícios do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), como a aposentadoria.

De acordo com o Ministro Marco Aurélio, relator do caso, a contribuição previdenciária deveria incidir não apenas sobre o salário, mas também sobre os adicionais (de periculosidade e insalubridade), gorjetas, prêmios, adicionais noturnos, ajudas de custo e diárias de viagem (quando excederem 50% do salário recebido), comissões e quaisquer outras parcelas pagas habitualmente. Contudo, a decisão do STF não foi publicada até o momento, não se tendo clareza, ainda, sobre o seu alcance e se houve manifestação pela inclusão de outras verbas na base de cálculo da CPP, em especial o terço constitucional de férias.

Apesar de importante precedente para a Fazenda Nacional, tanto o próprio STF como o STJ já se manifestaram em algumas oportunidades pela não inclusão de determinadas verbas na base de cálculo da CPP, por considerar que possuiriam natureza indenizatória. São os casos de aviso prévio indenizado e auxílio doença, por exemplo.

A inclusão de tais verbas na base de cálculo da contribuição deverá voltar à pauta do STF em breve, quando do julgamento de recurso cuja repercussão geral já foi reconhecida anteriormente pelo STF5. Tendo em vista que se trata de questão ainda em aberto, a revisão das verbas que compõem a base de cálculo das contribuições previdenciárias, inclusive aquelas destinadas a outras entidades e fundos (o chamado “Sistema S”) e ao Risco Ambiental do Trabalho (RAT), com eventual ingresso de medidas judiciais, ainda podem vir a constituir fonte de desoneração das empresas.


1.A discussão refere-se ao período anterior à vigência da Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, que estabeleceu a nova disciplina contábil do ágio.
2.Processo Administrativo nº 16327.000530/2005-28.
3.Recurso Extraordinário (RE) nº 574. 706.
4.REsp nº 1.051.634.
5.RE 576.967.

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